quinta-feira, 7 de julho de 2011

[in]CONSCIENTES

“Por incrível que pareça!”. Por incrível que pareça. A dramaticidade dos fatos nos faz querer os compararmos aos demais fatos, mesmo sendo eles indignos de tais comparações. Mas, por incrível que pareça, não era bem isso o que acontecia, mesmo que indiretamente acontecesse. Mesmo sendo uma dessas escritas inconscientes. E foi assim, vendo-a sentar, toda de branco, minto, parte de baixo em preto, que percebi os detalhes do inconsciente e da incoscientização. Passar da insignificância pro estado mais puro da alma, do que se quer, do que se é, do que não se é, vem a ser, esquecer, apodrecer, sucumbir. Não retomar os detalhes já passados e não deixar de tê-los para um porvir. Mas a menina sentou, e foi aí que tudo se assemelhou aos meus outros dramas e a outros desatinos. Ela sentou e, mais!, me encarou! Encarou com olhos de quem encara a eternidade. Um quê de absorção e de insignificância que repugnavam minhas desmedidas eloquência e meditação. Tentei virar o rosto.

Assim raiava o dia e eu me via perdido naquela mesma casa, de portas e materiais tão rústicos que pareciam se desmanchar sob as ações dos cupins. E eu cheirava a fuligem que vinha do mar, logo à beira dos pés, que deveriam ser navios, que deveriam ser embarcações ancoradas num pedaço de mar, de praia, de casa. E botava meus pés sobre o chão desmanchado, ocorria vez em quando de levar minhas mãos ao rosto, desejava estar ainda na cama, num pedaço de sonho, num regaço miserável de sonho, em mim. Aqueles olhos de eternidade ainda cerrados me aborreciam e eu não sabia não me aborrecer por detalhes etéreos. Mas seriam eles etéreos? Calei meus pensamentos e atravessei a sala em busca de água para acalmar meu dia após o anterior e meu envelhecimento constante. Não sei quem inventara o verbo envelhecer, mas ele me soa completamente antiquado, desnecessário, até despretensioso para conosco. Mas aceito. Aceito e discordo. E se aqueles olhos de eternidade abrissem e percebessem da sua não eternidade? Ah! Que catástrofe se conceberia à poesia realística das coisas. Mas eles repousavam. E eu não! E isso que importava.

A embarcação embarcava o quê de alguma coisa que não importa. Peixes, pessoas, animais, coisas, dias, horas, tangerinas e algumas outras horas oblíquas e não pendentes nos relógios. Aquelas horas que só nós podemos saber da existência, talvez únicas para cada um de nós, talvez nada demais. Se ela fosse sucumbir na minha existência, que ao menos não fosse agora. A menina pisa descalça na relva beira mar, e acha engraçado pensar ser parte do ar. O que havia de ser engraçado quando há graça por demais nas coisas?

Ela respondia a perguntas com uma atenção em nada carismática. Diria que tinha uma maneira de pensar asmática, só para fazer rimas desnecessárias. Pensava e logo sucumbia ao pensar. A racionalidade não deixava brechas e os subjetivismos eram exagerados. Achava demais. Não me importava. Desde que o cheiro de fuligem, as ondas, e aquele sorriso quase tão etéreo quanto os olhos fossem desvendar que não havia nada de tão atônito no mundo quanto deixar-se ser atônito perante as coisas, eu me tranquilizarei. E pensarei na morte como o rastro deixado há pouco, pequenos pés que se apagavam, mas que souberam estar ali por algum breve, relapso e imprevisto momento.

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