terça-feira, 26 de outubro de 2010

[26 de outubro de 2010]

Duas silhuetas
Entrelaçadas no que tange o olhar
No que tange qualquer fragmento de olhar
Nos resquícios do tato do olfato do afago
Da presença em nada presente
Da conquista em nada atuada
Em palavras silenciosas
Em mãos saudosas de calor
Na presença tão doce ornamental
Que completa que preenche que suga a alma
Em recantos de um conforto desconfortável
Prazeroso em seus detalhes
Descuidado em saber cuidar-se
Zelando no que sabe ser seu
Na medida certa em proporção desmedida
No que honra o próprio orgulho desfragmentado
Um orgulho manchado e submisso
Em um beijo aspirado
Em um beijo marcado
Nas duas pequenas mãos aquelas mãos
Naqueles rostos encostados
Receosos de si mesmos
Amorosos por serem um
Aquelas mãos que dirão adeus
Talvez não
Talvez entrelacem na escuridão
Percam-se eternamente no que não é eterno

Por simplesmente serem duas silhuetas
Entrelaçadas no que tange o olhar

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

[des]FRAGMENTOS I

Num bloco de anotações de Luiza Jardim

Batatinha quando nasce
Menininha quando nasce
Incógnitas ponderantes
E tão pouco relevantes.

[des]FRAGMENTOS II

Num bloco de anotações de Luiza Schneider

Se esparrama pelo chão

Põe a mão no coração
A mais singela emoção
Sem qualquer conotação.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Neste fim de tarde, acariciei minhas lembranças. Um exercício terapêutico. Vem de família.

Lembro que, enquanto andava por aí, Deus falou comigo. Não o escutei direito: havia muito barulho: carros que vão e voltam, pessoas que gritam, árvores que se chacoalham, pessoas que morrem, árvores que gritam, carros que morrem... Tanto faz agora.

O tempo é inflexível.

Neste fim de tarde acariciei minhas tristezas. Elas vão embora?

Sinto que quanto mais me apaziguo das tormentas incessantes que crio contra mim mesmo, num exercício masoquista e terapêutico de auto-conhecimento, mais me desordeno. Mas há um prazer oculto nessas meditações indeléveis.

Neste fim de tarde... O telhado estava tão avermelhado! Achei ser tinta, um pingo celeste de lava! Derreteria com tudo o que houvesse dentro desta casa empoeirada! Mas nada era senão a luz do crepúsculo e algumas quimeras fantasiadas de sonho.

Sonho?

Mesmo minha mão, que desorientadamente escreve e pede perdão pros meus poucos companheiros de ontem que não se fizeram presentes hoje, mesmo minha mão tremula ondula sussurra palavras de ordem imparcial.

Neste fim de tarde... Vi apenas um fim de tarde. Nada tão casual e, ao mesmo tempo, rotineiro quanto um fim de tarde. Me dá uma bebida, um afago, um beijo, uma mão, um lençol, algumas palavras e clichês relacionados à situação e adeus! Não me interessa o que vai além daqui.
a saudade e outras coisas mais
intercaladas a inóspitos colóquios
sobre sentimentos alheios

(a mosca pousa ao longe)

e as mãos que balançam
e as vozes que se rasgam
e os beijos que se cospem

(a mosca permanece imóvel)

olhos sem destino
vozes nonsense
olhos bocas rasgos
sopros nojos incógnitos
sentimentos balanceados
dietas e suplementos

(a mosca rodopia em sua órbita re-pousa volta)

mãos entrelaçadas em laço algum
sonhos compartilhados em lugar nenhum
vistas cegas músicas surdas
calor gélido putas puritanas
mulheres sem vida homens da vida
sexos grotescos desencontrados
desavisados escancarados
em bocas fétidas em lábios secos

(a mosca voa mais um pouco e circunda os transeuntes)

sonhos retóricos desvairados
mordaças de sons insuportáveis
louvados pedaços restantes
da carne minha da carne tua
densos partidos repartidos
esquecidos relembrados e esquecidos
eis que a mosca sim a mosca
aquela mosca os encontra
e dá-se assim o nosso valor
às moscas
A menina. A flor. Elementos constitutivos de diferentes cenas, porém cenários iguais.
A menina contempla, distante. A flor é arrebatada pelo vento.
A menina sonha com o que está além de si. A flor conforta os pensamentos.

Os dois elementos vistos como aspectos meditativos apoiam-se um no outro, sem a necessidade do tato (e eis que me questiono da bestialidade humana por necessitar tanto do calor de um corpo sobre o seu para que se sinta seguro).

O que une estes dois seres são pequenas linhas invisíveis traçadas no ar: a do olfato e a da visão. Talvez a flor não se dê pela menina que a encara (não sei, talvez se dê: ignoro COMPLETAMENTE o que se passa na vida de uma flor). Essas são sensações de conforto que vão além da necessidade primária. Vão além do que é físico. Vão além do que é previsível.

E essa reciprocidade poética durará enquanto houver essa aliança contemplativa entre cada ser.

Até o primeiro contato...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O pêndulo atemporal que permeia as relações de certos seres; a mecânica ilegível do funcionamento de cada um de nós; a similaridade poética de todos os aspectos conflituantes e não conflituantes; a importância impalpável de certos ares compartilhados; o refúgio caloroso que o toque voluntário e consciente proporciona...

A proposta deste contrato efetuado pelo tempo (e por todos os elos a que ele se dispôs de construir) é de, simplesmente, bendizer à cumplicidade: saber do bem das vitórias, das picuinhas mal resolvidas, dos abraços consoladores, dos sorrisos vazios (e recheados) de significados, enfim, das pequenas coisas que vêm a possuir importância significativa mesmo que com seu diminuto tamanho.

Pois o que nos resta é absorver o que já fora absorvido para que se possa nutrir o que há de vir. As passagens não precisam permanecer empoeiradas sobre nossas estantes memoriais... Elas precisam ser exercitadas! E para isso há a boa cerveja, o bom cúmplice, o bom entendimento entre atritos de intelecto e coloquiais idas e vindas à Cidade Baixa e aos terrenos que nos são prediletos. O pisar em verdadeiro é exigência mínima para que se mantenham os elos existentes, e eles são sucessivamente bem sucedidos.

O que se constrói assim não se perde por pouco. Nem mesmo por muito. O que o destino reserva são sempre incógnitas ponderantes e confesso que, algumas, desnecessárias. Mas isso não impede aquela sensação de segurança sobre os aspectos seguintes ao presente. Isso não impede o sentimento de que aquelas sensações consoladoras (o aperto de mão, o carinho, a trova de bar, o céu e o pensamento compartilhados) sejam ponderadas com segurança.